Meu marido morreu e estávamos separados de fato há um ano. Tenho direito à herança?

Pelo Código Civil de 2002, o CÔNJUGE é herdeiro dentro das [polêmicas e complexas] regras do inciso I do art. 1.829. Sem prejuízo, o inciso III define cônjuge sobrevivente como herdeiro, recolhendo TODA a herança, sozinho, no caso da inexistência de ascendentes (pais, avós etc). Outra regra peculiar é aquela do art. 1.830 que trata do aspecto da SEPARAÇÃO DE FATO que terá o condão de permitir ou não a qualidade de herdeiro à(ao) viúva (o):

 

"Art. 1.830. SOMENTE é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, NÃO ESTAVAM SEPARADOS judicialmente, nem SEPARADOS DE FATO há mais de DOIS ANOS, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente".

A letra fria da Lei condiciona o prazo de dois anos, mas será mesmo que esse prazo se reputa JUSTO atualmente?

Não nos parece. A doutrina abalizada do mestre LUIZ PAULO VIEIRA DE CARVALHO (Direito das Sucessões. 2019) também é neste sentido e analisando o art. 226§ 6º da CONSTITUIÇÃO FEDERAL aponta:

 

"(...) pensamos ser devido afirmar que, na atualidade, por incompatibilidade do referido texto com a redação do art. 1.830 do Código Civil, é possível ler-se a regra em questão do seguindo modo: 'somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato de modo inequívoco", tudo a ser apurado, todavia, levando-se em consideração a hipótese concreta levada ao juízo orfanológico".

MARIA BERENICE DIAS (Manual das Sucessões. 2021) sempre pontual e certeira anota:

 

"Não mais persistindo os deveres do casamento nem o regime de bens, tal subtrai a possibilidade de o sobrevivente ser reconhecido como HERDEIRO. Nem concorre com os sucessores nem preserva a qualidade de herdeiro. Recebe tão só a MEAÇÃO dos bens adquiridos durante a constância do casamento, o que não é herança. NADA MAIS".

Interessante hipótese foi julgada pelo TJPR recentemente, onde reformando a decisão de piso, o Tribunal determinou a exclusão do Viúvo que pretendia herança mas ao tempo da morte da então esposa, em menos de dois anos do óbito, já estava convivendo em união estável com outra companheira:

 

"TJPR. 0048708-65.2020.8.16.0000. J. em: 31/05/2021. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. DECISÃO AGRAVADA QUE DETERMINA A RETIFICAÇÃO DAS PRIMEIRAS DECLARAÇÕES PARA INCLUIR O AGRAVADO COMO HERDEIRO. NECESSIDADE DE REFORMA. SEPARAÇÃO DE FATO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE QUE, INCLUSIVE, JÁ CONVIVIA COM OUTRA COMPANHEIRA HÁ MENOS DE DOIS ANOS DA ABERTURA DA SUCESSÃO. PERDA DA QUALIDADE DE HERDEIRO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.830 DO CÓDIGO CIVIL À LUZ DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010. SEPARAÇÃO DE FATO QUE PÕE FIM À QUALIDADE DE HERDEIRO. (...)".