COM CERTA FREQUENCIA chegam até nós potenciais clientes com casos onde outros colegas já tenham retirado quaisquer esperanças de chances de sucesso na regularização do imóvel, inclusive por USUCAPIÃO. Como lição aprendida dos tempos do Cartório ouso dizer que não podemos descartar nenhum caso sem antes analisar detidamente a documentação, PRINCIPALMENTE A DOCUMENTAÇÃO REGISTRAL ATUALIZADA. Ainda que possa ocorrer com certa frequencia de algum Cartório fornecer uma "Certidão Nada Consta" pode ser que um pedido melhor fundamentado, especialmente baseado em provas, possa fazer com que o Cartório dê uma informação melhor, mais apurada - não que sua obrigação não fosse, desde sempre, fornecer a informação ao cidadão por certidão de modo COMPLETO, com todas as cautelas devidas; ou seja, com ZELO e a SEGURANÇA que se espera dos Registros Públicos.
Em se tratando de regularização imobiliária, tenho que a USUCAPIÃO é um remédio por excelência destinado a casos praticamente perdidos. Solução baseada em direitos constitucionais (art. 1º, inc. III c/c inc. XXIII, art. 5º, art. 6º e inc. III do art. 170) principalmente à FUNÇÃO SOCIAL devemos sempre angularizar a melhor solução considerando as peculiaridades de cada caso concreto. Não são poucos os casos de imóveis irregulares onde seus possuidores não possuem nem REGISTRO nem ESCRITURA, sendo muito possível que os imóveis não possuam nem mesmo REGULARIZAÇÃO REGISTRAL e CADASTRAL (Prefeitura, Cartório etc). Nesses casos, a situação fática representada pela posse qualificada, com ânimo de dono poderá ser comprovada de modo a possibilitar ao pretendente manejar seu pedido para o RECONHECIMENTO do seu direito e com ele REGISTRO EM SEU NOME junto ao Cartório. O fato de o imóvel (Condomínio, Edifício, Apartamento etc) não estar legalmente registrado em Cartório pode impedir a Usucapião nesse caso?
A resposta nos parece NEGATIVA na medida em que basta observar que nenhuma das espécies de Usucapião reconhecidas pelo ordenamento exigem a regularização prévia do imóvel junto ao RGI para que o pedido seja procedente (judicial ou extrajudicialmente).
Lembremo-nos que Usucapião é forma ORIGINÁRIA de aquisição da propriedade. Não se trata de aquisição derivada. Quem obtém por usucapião obtém contra alguém e não de alguém. Alguém (se efetivamente há uma origem registral) "perde" a partir do momento em que outro, preenchendo os requisitos legitimamente, na forma da Lei, "ganha" a propriedade (ou qualquer outro direito real em jogo). O simples fato de não existir origem registral (ou mesmo regularidade no empreendimento sobre o qual se busca o reconhecimento usucapional) não tem o condão de impedir a aquisição originária prevista em Lei. Nesse caso o Cartório cuidará de promover a abertura de matrícula caso o imóvel não tenha ou não exista no acervo. As regras do CÓDIGO DE NORMAS EXTRAJUDICIAIS DA CGJ/RJ não deixam dúvidas e são perfeitamente aplicáveis ao reconhecimento EXTRAJUDICIAL da Usucapião:
"Art. 560. Na usucapião deverá o Oficial de Registro proceder à abertura de matrícula, por se tratar de aquisição originária (observação do principio da unitariedade).
§ 1º. A abertura de matrícula para registro de sentença de usucapião mencionará o registro anterior, se houver".
A doutrina abalizada do Desembargador e Professor, Dr. FRANCISCO LOUREIRO (Código Civil Comentado. Coord. Min. Cezar Peluso. 2021) convida à reflexão sobre a importância da Usucapião sobre imóveis "irregulares":
"Controverte a doutrina sobre questões atinentes a parcelamentos do solo CLANDESTINOS, ocupação de áreas de mananciais e de proteção ambiental, de risco ou inadequadas para moradias. É preciso entender, porém, que EVENTUAIS ILEGALIDADES dizem respeito à ocupação do solo, e não à declaração de propriedade. Parece pouco lógico que se negue a usucapião, mas se mantenham as posses sobre imóveis irregulares, perpetuando situação de INCERTEZA. A usucapião não gera a ocupação irregular do solo, mas apenas é o primeiro passo para futura reurbanização".
A jurisprudência do TJSP com o acerto de sempre e anulando por unanimidade sentença do juiz de piso, exemplifica a possibilidade de Usucapião sobre Apartamento ainda que situado em "Condomínio irregular":
"TJSP. 1008923-61.2019.8.26.0477. J. em: 25/05/2021. USUCAPIÃO. CONDOMÍNIO IRREGULAR. Sentença de extinção por impossibilidade jurídica do pedido. Recurso dos autores. Possibilidade de usucapião de apartamento em condomínio edilício irregular, ainda que este não tenha inscrição no registro de imóvel. Modo de aquisição originária. Mitigação das restrições normalmente aplicáveis ao registro. Precedentes. Sentença anulada para prosseguimento do feito. Recurso provido".