A Cessão de Direitos Hereditários no Novo Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro

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A CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS - importante ferramenta para solução de questões envolvendo heranças e inventários - ganhou tratamento claro que há muito esperávamos nas regras normativas extrajudiciais aqui do Rio de Janeiro. Sem tratamento específico no Código de Normas anterior, um capítulo especial agora é destinado a tratar esse tipo de ESCRITURA PÚBLICA - pois sim, como já rezava desde 2002 o Código Civil, a Cessão de Direitos Hereditários só tem validade jurídica se obedecida a forma pública, sendo lavrada em qualquer Tabelionato de Notas. Assim o Código Reale:

"Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública".

A referida Escritura - é sempre bom saber - só pode ser feita depois de ocorrido o óbito do titular dos bens mas não necessariamente já com o Inventário aberto. Admite-se a transação (onerosa ou graciosa) dos direitos hereditários através de Escritura Pública durante o interregno entre o falecimento do titular dos bens (que é o que faz erigir os direitos hereditários que serão objeto da transação) e a realização da PARTILHA, já que esta, como determina Código Civil, põe fim ao estado de indivisão do acervo hereditário.

Segundo o Novo Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro (Provimento CGJ/RJ 87/2022), temos que:

Art. 379. Aberta a sucessão, o quinhão ou parte dele, de que disponha o coerdeiro, poderá ser objeto de cessão, gratuita ou onerosa, por ESCRITURA PÚBLICA, devendo ser observado e consignado:

I – que o cessionário tem ciência de que o ato abrange, além do quinhão ou quota ideal cedida, também eventuais dívidas do espólio, até os limites da herança e na proporção correspondente ao quinhão;

II – a anuência do cônjuge do cedente, salvo se o regime de casamento for o da separação absoluta de bens ou, se no regime da participação final nos aquestos, houver no pacto antenupcial expressa convenção quanto à livre disposição dos bens particulares.

III – que o cedente poderá declarar, sob as penas do art. 299 do Código Penal, que seu cônjuge tem ciência e anui à cessão, desde que com isso concorde o cessionário, ciente dos riscos de anulabilidade do ato;

IV – que o cessionário deverá habilitar o título no inventário, sendo-lhe facultado, ainda, requerer a abertura do procedimento extrajudicial;

V – o pagamento dos tributos incidentes, conforme se trate de cessão gratuita (ITD) ou onerosa (ITBI); e

VI – a declaração do cessionário de ciência de que eventuais direitos conferidos ao cedente em decorrência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão.

Art. 380. Nas cessões de direitos hereditários onerosas a terceiros estranhos à sucessão, deverá constar da escritura declaração do cedente de que deu ciência aos coerdeiros, os quais não demonstraram interesse na aquisição (art. 1.794 do CC).

Art. 381. A cessão de direitos hereditários sobre bem individualizado independe de autorização judicial quando formalizada ou anuída por todos os herdeiros.

Parágrafo único. A cessão de bem a título singular, por qualquer herdeiro, pendente a indivisibilidade, deverá conter declaração de que será ineficaz perante os demais até que com ela consintam, atribuindo-se o bem cedido à cota do herdeiro cedente".

As referidas regras estão em total consonância com a melhor jurisprudência e doutrina especializada, sendo oportuno anotar que:

1. De fato, a cessão de direitos é uma importante solução para os herdeiros (e a até a(o) viúva(o), nos casos de MEAÇÃO ou mesmo quanto ao seu direito de herança, conforme o caso) que não desejam enfrentar um INVENTÁRIO e com isso alienam os direitos para que o interessado (cessionário) em algum momento realize o Inventário e regularize em seu nome os bens do Espólio;

2. A Cessão de Direitos Hereditários envolve impostos como o ITD (ou ITC ou ainda ITCMD, como queira) pelo recebimento da herança (por parte do herdeiro já que só transfere quem recebeu) e também por parte de quem adquire tais direitos (ou seja, o cessionário) podendo, por sua vez, este recolher ITD ou ITBI (conforme a cessão seja onerosa ou graciosa);

3. A Cessão de Direitos Hereditários atrai, por ocasião da sua realização, as regras do Contrato de Compra e Venda (art. 481 do CCB) ou do Contrato de Doação (art. 538 do CCB), conforme o caso e é muito importante a cautela com tais regras, sob pena de NULIDADE ou ANULABILIDADE;

4. De fato, não podemos esquecer que a Cessão de Direitos Hereditários exemplifica bem o que podemos chamar de contrato aleatório (art. 458 do CCB) na medida em que quem adquire não pode desconhecer que só receberá algum bem se estes superarem as dívidas do morto - na exata medida em que estão sujeitos os herdeiros (cf. regras do art. 1.997 do CCB) - afinal de contas, se as dívidas forem maiores que os bens deixados pelo morto, os herdeiros (ou cessionários, se for o caso) nada receberão; trata-se de um negócio de RISCO e a condução por um Advogado Especialista e experiente pode fazer toda a diferença;

5. A Cessão de Direitos Hereditários é o título que habilita o comprador/cessionário à regularização no Inventário já iniciado (judicial ou extrajudicialmente) ou até mesmo requerer a abertura de um inventário, conforme permite o CPC/2015 (inc. V do art. 616);

6. A Cessão se admite de forma TOTAL ou PARCIAL quanto aos bens hereditários;

7. O art. 381 e seu parágrafo único deixam indene de dúvidas que a Cessão de Direitos Hereditários sobre bem individualizado é válida e pode ser feita sem autorização judicial na hipótese mencionada;

PONTO DELICADO E MUITO IMPORTANTE que representa um permissivo normativo perigoso é a regra do inciso III do referido artigo 379 quando permite que o cedente realize a negociação sem que seu cônjuge participe do ato. Nos parece, com todas as vênias, uma crítica brecha para a realização de atos que possam representar burla à meação conjugal, todavia, como sempre frisamos, é importante que o Advogado conheça as regras e as trabalhe muito bem na defesa dos interesses do seu assistido.

Como dito acima, o instrumento aqui tratado - Cessão de Direitos Hereditários - ordinariamente sinaliza que a regularização deverá se dar pelo Inventário Judicial ou Extrajudicial, todavia, como aponta o PROVIMENTO CNJ 65/2017 que trata da Usucapião Extrajudicial, a referida Cessão de Direitos Hereditários também pode ser admitida para regularização via Usucapião, desde que preenchidos os requisitos legais. O aval é também da jurisprudência do Augusto TJPR:

"TJPR. 0022940-81.2013.8.16.0001. J. em: 01/08/2018. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, COM BASE NO ARTIGO 485, IV DO CPC. 1. CARÊNCIA DA AÇÃO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR. IMPERTINÊNCIA. POSSE FUNDADA EM CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. JUSTO TÍTULO. SENTENÇA CASSADA. JULGAMENTO DO PEDIDO INICIAL PELO TRIBUNAL. POSSIBILIDADE. CAUSA MADURA. ARTIGO 1.013, § 3º, INCISO I, DO CPC. HIPÓTESE, ADEMAIS, DE RECONHECIMENTO DO USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO, SEM JUSTO TÍTULO. A cessão de direitos hereditários constitui justo título a legitimar o ajuizamento de ação de usucapião. No caso, mesmo que o possuidor não tenha se valido do inventário, verifica-se o interesse processual para o usucapião, pois que, inclusive preenchidos os requisitos para sua forma extraordinária. 2. SUCUMBÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO E RESISTÊNCIA DOS HERDEIROS DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE LITIGIOSIDADE. INTERESSE ÚNICO E EXCLUSIVO DO AUTOR NA AQUISIÇÃO DO DOMÍNIO DO IMÓVEL. ÔNUS SUCUMBENCIAL QUE DEVE SER SUPORTADO PELOS PROPONENTES. - Tendo em vista a ausência de litigiosidade, incumbe à parte autora o pagamento das custas e despesas processuais, afastando-se qualquer imposição de honorários advocatícios. Apelo provido. Pedido de usucapião procedente".