O PROCESSO DE USUCAPIÃO visa regularizar a titularidade do imóvel que diante do preenchimento dos requisitos exigidos por Lei autorize essa modificação. Como acontece com muita frequência, nos cadastros da Prefeitura e no Cartório do RGI o imóvel pode estar em nome de pessoas que o ocupante nem mesmo nunca conheceu, ou ainda, empresas que nem existem mais. A Usucapião serve sobretudo para regularizar os assentos registrais, adequando-os à verdade fática, qual seja, o estabelecimento daquela POSSE qualificada que por Lei confere DIREITO a quem possuir pelo tempo exigido em Lei, com o ânimo de dono - ainda que o imóvel esteja em nome de terceiros no RGI ou na Prefeitura.
Como se percebe com extrema facilidade não é qualquer situação que ensejará o RECONHECIMENTO da Usucapião (que como sempre falamos aqui, hoje em dia pode ser feito inclusive sem processo judicial, direto nos Cartórios Extrajudiciais, nos termos do art. 216-A da Lei de Registros Públicos com regulamentação atual pelo Provimento CNJ 149/2023 - que revogou o Provimento CNJ 65/2017). Para que a USUCAPIÃO seja reconhecida é preciso que os requisitos sejam cabalmente demonstrados, sendo certo que a matriz de todas as espécies exigirá, como sabemos, POSSE QUALIFICADA (com ânimo de dono) exercida pelo TEMPO NECESSÁRIO (que vai variar conforme a espécie de usucapião manejada) sobre a COISA HÁBIL (pois não são todos os bens móveis/imóveis que estão sujeitos aos efeitos da "prescrição aquisitiva", também conhecida como "Usucapião").
Fundamentalmente no procedimento (ou processo) de Usucapião o objetivo do interessado deverá ser a produção de provas aptas a não deixar dúvidas no Juiz (ou no Registrador Imobiliário) sobre o possível reconhecimento da Usucapião que por sua vez autorizará a AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL, nos moldes do que legitima o Código Civil - artigo 1.238 e seguintes:
"Art. 1.238. Aquele que, por QUINZE ANOS, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a DEZ ANOS se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo".
É muito importante ressaltar que a hipótese do artigo 1.238 estampa apenas UMA DAS MODALIDADES da Usucapião hoje em dia reconhecidas pelo ordenamento jurídico. Existem várias outras. Como também já esclarecemos outrora, as espécies variam em seus requisitos e podem exigir o tempo de posse qualificada de 02 (dois), 05 (cinco), 10 (dez) ou 15 (quinze) anos.
Em muitos casos a USUCAPIÃO pode ser alternativa - verdadeiro "remédio" - para obter o RGI em nome do comprador que lá atrás não procedeu com diligência lavrando a competente ESCRITURA PÚBLICA e promovendo o REGISTRO. Ainda hoje é muito comum tratarmos casos de pessoas que transacionam imóveis baseados em DOCUMENTOS PARTICULARES, às sombras da legalidade, correndo grandes riscos de nunca conseguirem regularizar suas propriedades. O documento particular - diferentemente da ESCRITURA PÚBLICA - não fica arquivado no Registro Público eternamente, com a garantia de a qualquer momento ser gerada uma Certidão com valor probante de original (arts. 215/217 do CCB/2002). Caso o interessado não tenha feito o arquivamento em CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS (que é uma valiosa dica que repetimos a todo momento) e venha a perder os seus "documentos particulares" que comprovem a compra do imóvel, infelizmente ele pode perder PROVAS QUE VALEM OURO para fins de regularização imobiliária. A situação se complica ainda mais quando não se torna possível localizar os antigos vendedores - o que é muito comum nesses casos...
Na via Extrajudicial tem especial relevo a ATA NOTARIAL que carregará para o procedimento toda a percepção obtida pelo Tabelião acerca de detalhes cruciais que possam evidenciar a posse qualificada do imóvel, apta a ensejar o reconhecimento da Usucapião. Trata-se de prova não só obrigatória mas muito importante que pode dar o devido peso para o convencimento e decisão final do Registrador Imobiliário.
Não se desconhece ademais que algumas modalidades de USUCAPIÃO são especialmente interessantes para casos assim: as modalidades que NÃO EXIGEM justo título e boa-fé (que podem requerer a comprovação do tempo de posse por 15, 10 ou 5 anos, inclusive) são as que possuem menos requisitos a serem preenchidos. Nesses casos, mesmo tendo perdido eventual documento particular que comprove a COMPRA do imóvel poderá ser possível a regularização pela via da USUCAPIÃO, desde que comprovado o exercício da posse qualificada sobre o tempo reclamado em Lei (tempo esse que pode inclusive ser SOMADO a tempos de posse de posseiros anteriores), como reconhece com acerto a jurisprudência do TJMT:
"TJMT. 00433495920148110041. J. em: 23/11/2022. RECURSO DE APELAÇÃO – USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA – POSSE ININTERRUPTA E PACÍFICA POR MAIS DE 30 ANOS – CADEIA POSSESSÓRIA COMPROVADA – PRAZO DOS SUCESSORES CONTABILIZADO – ART. 1.243 DO CC – DESNECESSIDADE DE JUSTO TÍTULO E BOA-FÉ – PRESSUPOSTOS DO ART. 1.238 PREENCHIDOS – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO 1. A usucapião extraordinária independe de justo título e boa-fé. 2. O art. 1.243 do CC possibilita a contagem da posse dos antecessores para efeito do requisito temporal da usucapião. 3. Rejeita-se a alegação de suspeição de testemunhas quando inexistente a comprovação do interesse concreto no litígio".