A CONHECIDA Resolução 35/2007 do CNJ que trata, dentre outros assuntos, da realização do Inventário Extrajudicial, foi mais uma vez modificada. Dessa vez a alteração se deu por conta dos requerimentos veiculados no Pedido de Providências nº. 0001596-43.2023.2.00.0000 proposto pelo IBDFAM que absorveu pedido de nossa autoria veiculado em 2022 no Pedido de Providências nº. 0003145-25.2022.2.00.0000 onde miramos no art. 18 da referida Resolução de modo a dar tratamento igualitário às situações de União Estável por ocasião da realização do Inventário Extrajudicial, tal como pode acontecer nas situações onde o núcleo familiar se origina do Casamento.
Antes de tudo é preciso considerar que desde o julgamento dos RE 878694/MG e 646721/RS o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL esclareceu ser - INADMISSÍVEL - qualquer tratamento que represente distinção por ocasião da sucessão envolvendo União Estável ou Casamento de modo a privilegiar qualquer uma das situações em detrimento da outra. O tratamento igualitário entre as duas "formas de família" é a REGRA, com base na tese lapidada nos Temas 498 e 809 que ditam:
"É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002".
Ainda assim, restando evidente que qualquer distinção será INCONSTITUCIONAL se mostra necessário - principalmente em sede EXTRAJUDICIAL - que as devidas modificações nas normas sejam imediatamente promovidas e postas, mormente em norma de estatura nacional como é a Resolução CNJ 35/2007. É que em sede extrajudicial impera a chamada "legalidade estrita" segundo a qual a atuação do Registrador e do Tabelião deve estar limitada à disposição legal, não admitindo a realização de ato notarial ou registral que não se atenha aos ESTRITOS limites da Lei.
O Código de Normas do Estado do Rio de Janeiro em consonância com a LRP reprisa ser o PRINCÍPIO DA LEGALIDADE de observação obrigatória pelos Registros de Imóveis, por exemplo:
"Art. 1.047. Ao serviço, à função e à atividade de registro imobiliário aplicam-se os princípios da:
(...)
XIII – legalidade a impor prévio exame da legalidade, validade e eficácia dos títulos, a fim de obstar o registro de títulos inválidos ou com a eficácia suspensa oponível erga omnes";
Todavia, em louvável disposição - que ainda não tivemos a satisfação de ver aplicada na prática - o mesmo Código de Normas Extrajudiciais Fluminense prestigia os princípios da INDEPENDÊNCIA e do ACESSO AO REGISTRO que à luz da SEGURANÇA JURÍDICA, com toda certeza deve obtemperar e modular o princípio da LEGALIDADE, senão vejamos:
"Art. 1.092. No âmbito dos serviços de registro de imóveis, a interpretação e o agir do oficial devem considerar a importância do ACESSO dos títulos ao registro buscando assegurar que toda propriedade imobiliária, e todos os direitos que sobre ela recaiam, fiquem sob o amparo do regime registral imobiliário e participem dos seus benefícios.
(...)
§ 2º. A atividade de qualificação registral deve ser exercida com INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL, SEM SUBMISSÃO à legalidade estrita, com vistas à tutela de interesses públicos que gravitam em torno das pretensões privadas de constituição, modificação ou extinção de direitos sobre imóveis".
Conhecendo bem a prática extrajudicial, seus atores e com a intimidade de que já militou no Serviço Extrajudicial por mais de 21 anos podemos afirmar com tranquilidade que muito raramente veremos uma atuação corajosa pautada nos termos do §2º do referido art. 1.092. Por conta disso e para evitar muita perda de tempo (o que é muito valioso principalmente para PESSOAS IDOSAS - conviventes sobreviventes etc) é que a alteração do art. 18 da Resolução 35/2007 do CNJ se mostrou plausível de modo adequá-la ao novo cenário. O artigo em comento antes ditava com evidente discriminação de tratamento:
"Art. 18. O(A) companheiro(a) que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável".
Ora, se o sobrevivente em questão fosse uma VIÚVA, egressa de família rotulada pelo Casamento e não pela União Estável, sendo única herdeira e não deixando outro sucessor, haveria necessidade de Ação Judicial para que recolhesse a herança? Por óbvio que não. Dessa forma, adequando a norma extrajudicial aos julgados do STF a nova redação do artigo 18 assim restou formulada, conforme RESOLUÇÃO CNJ 571/2024 (DJE DE 30/08/2024):
"Art. 18. No inventário extrajudicial, o convivente sobrevivente é herdeiro quando reconhecida a união estável pelos demais sucessores, ou quando for o único sucessor e a união estável estiver previamente reconhecida por sentença judicial, ESCRITURA PÚBLICA ou termo declaratório, desde que devidamente registrados, nos termos dos arts. 537 e 538 do CNN/CN/CNJExtra (Provimento CNJ nº 149/2023)".
Vê-se, portanto, que se mostra muito importante e aconselhável que seja feito o REGISTRO da Escritura Pública de União Estável em Cartório, conforme regras dos artigos 537 e 538 do CNN/CN/CNJExtra, de modo a evitar maiores problemas caso o(a) convivente sobrevivente seja o(a) único(a) sucessor(a).
Com base no novo cenário inaugurado pela citada Resolução CNJ 571/2024 felizmente já não deveremos ter julgados como o adiante prolatado pelo Tribunal mineiro que, diferentemente dos Notários e Registradores, não está nem nunca esteve adistrito à "legalidade estrita":
"TJMG. 10000222147142001/MG. J. em: 15/02/2023. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA - REGISTRO DE IMÓVEIS - ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO CUMULADA COM RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL E AJUDICAÇÃO DE BENS - COMPANHEIRA - AUSÊNCIA DE OUTROS HERDEIROS - OBRIGATORIEDADE DE UTILIZAÇÃO DA VIA JUDICIAL - ARTIGO 18 DA RESOLUÇÃO Nº 35/07 DO CNJ E ARTIGO 192 DO PROVIMENTO CONJUNTO Nº 260/2013 DO E. TJMG - RECURSO NÃO PROVIDO. - O notário está sujeito à observância estrita do princípio da legalidade - Nos termos do artigo 18 da Resolução nº 35/07 do Conselho Nacional de Justiça: "O (A) companheiro (a) que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável." - O artigo 192 do Provimento nº 260 da CGJ/MG, no mesmo sentido, dispõe que, ao companheiro que tenha direito à sucessão, é necessário o uso da via judicial, se o autor da herança não deixar outro sucessor, inclusive em relação ao reconhecimento da união estável - Comprovado que a companheira do de cujus era a sua única sucessora, se torna obrigatória a utilização da via judicial para realização de partilha e do inventário".