O PROCEDIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL tem base legal no art. 216-A da Lei de Registros Públicos de 1973, introduzido pelo Código de Processo Civil de 2015. Como sabemos, sua regulamentação até 2023 se deu através do Provimento CNJ 65/2017 que deu lugar ao Provimento CNJ 149/2023 que hoje regulamenta o procedimento em seu artigo 398 e seguintes. Da mesma forma como acontece com o INVENTÁRIO também no procedimento de USUCAPIÃO continua sendo assegurada às partes a possibilidade da propositura na via JUDICIAL mesmo nas hipóteses em que possível a via EXTRAJUDICIAL em evidente prestígio ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (inc. XXXV, art. 5º da CRFB/88). O grande ponto em questão será sempre, com assistência do Advogado Especialista, analisar os prós e contras de cada uma das vias para identificar a melhor solução do problema de acordo com as suas particularidades e, principalmente, saber quando será mais vantajoso suspender ou desistir da via judicial para converter o processo judicial em procedimento extrajudicial.
O atual §2º do art. 399 do Provimento CNJ 149/2023 repete o que já garantia o §2º do art. 2º do revogado Provimento CNJ 65/2017, senão vejamos:
"§ 2.º Será facultada aos interessados a OPÇÃO pela via judicial ou pela extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer momento, a SUSPENSÃO do procedimento pelo prazo de 30 dias ou a DESISTÊNCIA da via judicial para promoção da via extrajudicial.
Na prática será muito comum que o processo judicial não esteja tramitando tão rapidamente de modo que a retirada dos autos em cartório poderá com facilidade ser feita sem a necessidade de se postular a "suspensão" já que é muito comum que em feitos dessa natureza a tramitação seja bem morosa. Ademais, não se pode esquecer que nos dias atuais a grande maioria dos feitos judiciais já se encontra VIRTUALIZADA, razão pela qual será muito comum a possibilidade de efetuar o "download" dos autos direto do site do Tribunal responsável para que o seu exame pelo Advogado Especialista seja feito.
Da mesma forma como no Inventário, a desistência do processo judicial de Usucapião precisa ser homologada por sentença (inc. VIII, art. 485) já que não deve ser admitida a tramitação simultânea da Usucapião Judicial com a Usucapião Extrajudicial sobre os mesmos fatos e objeto. Nesse sentido é também a orientação do ilustre Registrador Imobiliário, Dr. FRANCISCO NOBRE (Manual da Usucapião Extrajudicial. 2019) ainda comentando sob a égide do Provimento CNJ 65/2017:
"A solução adotada, aqui, espelha aquela prevista na Resolução nº. 35/2007 do CNJ, art. 2º., para as ações de Separação, Divórcio e Inventário. Existindo ação judicial de usucapião em andamento, o interessado não está impedido de ALTERNAR para a via extrajudicial. Entretanto, para evitar eventuais decisões conflitantes, impõe-se que seja requerida a suspensão ou a desistência da via judicial como CONDIÇÃO DE ACESSO à via extrajudicial".
O mesmo jurista aponta, com já conhecido acerto, que os atos probatórios realizados na via judicial (como a oitiva das testemunhas, perícias, inspeção judicial) podem ser aproveitados na via extrajudicial sem nenhuma restrição (especialmente eventual anuência expressa de entes públicos ou titulares de direitos), todavia, será mesmo que em todos os casos pode ser vantajoso converter um processo judicial de Usucapião em procedimento extrajudicial para conclusão e finalização em Cartório? Entendemos que nem sempre e a avaliação prévia do caso será sempre de fundamental importância.
A bem da verdade, não se pode esquecer que na via extrajudicial a ATA NOTARIAL é um elemento indispensável. Trata-se de uma espécie de "ato notarial" produzido por Tabelião de Notas que tem suas finalidades já delineadas no próprio ato regulamentador. De acordo com o inc. I do art. 401 do Provimento CNJ 149/2023 a Ata Notarial deve atestar: "a) descrição do imóvel conforme consta na matrícula do registro em caso de bem individualizado ou a descrição da área em caso de não individualização, devendo ainda constar as características do imóvel, tais como a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo; b) o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores; c) a forma de aquisição da posse do imóvel usucapiendo pela parte requerente; d) a modalidade de usucapião pretendida e sua base legal ou constitucional; e) o número de imóveis atingidos pela pretensão aquisitiva e a localização: se estão situados em uma ou em mais circunscrições; f) o valor do imóvel; e g) outras informações que o tabelião de notas considere necessárias à instrução do procedimento, tais como depoimentos de testemunhas ou partes confrontantes".
A ATA NOTARIAL pode ter custo alto e relevante para o procedimento, sendo importante considerar sua desnecessidade na via judicial e sua imprescindibilidade na via extrajudicial. Paralelo a isso, importa também considerar que na via extrajudicial é sim garantida a possibilidade de GRATUIDADE e isenção de custos (tudo isso de acordo com o ato normativo local que regula esse direito), porém, como se percebe na militância diária, não é raro que os Cartórios tendam a dificultar sutilmente a concessão da gratuidade aos interessados - o que é muito lamentável já que não se pode reservar a via extrajudicial apenas a quem possa pagar pelos altíssimos emolumentos e custas, mas se deve garantir tal direito especialmente aos hipossuficientes, ainda que assistidos por Advogado constituído, como já falamos inclusive.
Ponderada a necessidade da Ata Notarial no procedimento de Usucapião, outro aspecto que merece análise diz respeito à utilização de todas as provas que já tenham sido produzidas nos autos enquanto realizada a tramitação pela via judicial que, conforme o disposto no §3º do art. 399, poderão ser utilizadas na via extrajudicial:
"§ 3.º Homologada a desistência ou deferida a suspensão poderão ser utilizadas as provas produzidas na via judicial".
Outro ponto importante diz respeito a detalhes muito específicos do caso concreto de Usucapião a ser resolvido, já que, de sabença trivial, nem todos os casos de Usucapião (assim como de Inventário) são passíveis de solução na via extrajudicial uma vez que essa não dispõe de toda a envergadura para a solução de impasses como acontece na via judicial. Não será raro acontecer impasses no procedimento extrajudicial que poderão desaguar na necessidade de instauração do incidente de DÚVIDA REGISTRAL (art. 198 da LRP) o que por si só poderá fazer com que o procedimento da via extrajudicial demore alguns meses (ou anos) para a solução, mormente quando - como acontece aqui no Estado do Rio de Janeiro - for obrigatória a "remessa necessária" para que o Conselho da Magistratura confirme ou reforme a decisão proferida pelo Juiz da Vara de Registros Públicos. Tudo isso precisa ser sopesado com auxílio do Advogado responsável pela busca da solução.
Não restam dúvidas de que a análise prévia feita por Advogado Especialista antes da decisão sobre a desistência ou não da via judicial para conversão para a via extrajudicial será de suma importância para que o usuário não perca tempo nem dinheiro na busca da regularização do seu imóvel.
POR FIM, decisão do TJSP confirmando a exigência legal e normativa da Ata Notarial no procedimento de Usucapião Extrajudicial - exigência essa inexistente na Usucapião se manejada na via judicial, como sabemos:
"TJSP. 1002887-04.2018.8.26.0100. J. em: 30/10/2018. Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Necessidade de instrução do requerimento com ATA NOTARIAL – Art. 216, inciso I, da Lei nº 6.015/73 e art. 4º, inciso I, do Provimento nº 65, de 14 de dezembro de 2017, da Corregedoria Nacional de Justiça – Alegação de incompatibilidade da exigência formulada com a natureza jurídica e a finalidade da ata notarial – EXIGÊNCIA LEGAL E NORMATIVA que não pode ser afastada, em procedimento de natureza administrativa, pelos fundamentos apresentados pelo apelante – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido".