A USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL, como sabemos, é aquela que se resolve em Cartório, com a obrigatória assistência e representação de ADVOGADO mas com a dispensa do Processo Judicial. Com isso elimina-se a necessidade de intervenção judicial (Magistrado) e, naturalmente, sugere-se um procedimento muito mais rápido. Pelo menos teoricamente isso será verdade. Outro aspecto importante - mas nem sempre dito por muitos colegas - é que na verdade a Usucapião Extrajudicial não se presta para resolver todos os casos - especialmente os casos mais complexos - e mesmo nos casos tidos como mais "simples", ocorrendo um impasse, todo o processado deverá ser submetido à apreciação judicial em sede de "Dúvida Registral" (art. 198) que devolvendo tudo à apreciação de um Juiz poderá empacar no mesmo problema que se buscava justamente evitar: a demora da tramitação judicial (mormente em casos como no Rio de Janeiro onde, por regra, as sentenças nesses feitos estão sujeitas ao Duplo Grau obrigatório).
Como sempre falamos aqui, a USUCAPIÃO DE APARTAMENTOS (e demais unidades autônomas em Condomínios Edilícios como lojas, garages etc) representam, em tese, casos menos complexos de Usucapião - se é que é possível dizer que algum caso de Usucapião é "fácil" - a se resolver inclusive pela via extrajudicial.
O PROVIMENTO CNJ 149/2023 (que substituiu o Provimento CNJ 65/2017) que trata atualmente da regulamentação da Usucapião Extrajudicial apresenta duas importantes vantagens no manejo da Usucapião Extrajudicial de unidades autônomas em condomínios edilícios: a) a dispensa da apresentação de PLANTA e MEMORIAL (o que sem dúvida eliminará mais um GASTO a cargo do interessado) e b) a dispensa de citação de todos os confinantes.
PLANTA e MEMORIAL não se justificam efetivamente nesse caso já que a unidade desejada por certo restará devidamente delimitada e individualizada no Registro Geral de Imóveis (RGI). Por óbvio que se esse não for o caso (ou seja, tratando-se de um Condomínio de fato/irregular, sem qualquer registro em Cartório) não deve ter aplicação a regra do atual § 5º do art. 401 do CN-CNJ que determina:
"§ 5.º Será DISPENSADA a apresentação de planta e memorial descritivo se o imóvel usucapiendo for unidade autônoma de condomínio edilício ou loteamento regularmente instituído, bastando que o requerimento faça menção à descrição constante da respectiva matrícula".
A dispensa de citação dos confrontantes também tem base na mesma ideia de delimitação e individualização prévios, essencialmente característicos de unidades autônomas regularizadas perante o RGI e também tem inspiração na regra do Código de Processo Civil de 2015 no par.3º do seu artigo 246. O regramento da Usucapião Extrajudicial em seu artigo 403 é mais feliz que o Código Fux e avança ao apontar que além da dispensa da citação dos confinantes a anuência bastante será a do SÍNDICO:
"Art. 403. Para o reconhecimento extrajudicial da usucapião de unidade autônoma integrante de condomínio edilício regularmente constituído e com construção averbada, bastará a anuência do SÍNDICO do condomínio".
A referida dispensa também não subsistirá se for o caso de um Condomínio irregular, como assegura expressamente o art. 404 da mesma regra:
"Art. 404. Na hipótese de a unidade usucapienda localizar-se em condomínio edilício constituído de fato, ou seja, sem o respectivo registro do ato de incorporação ou sem a devida averbação de construção, será exigida a anuência de todos os titulares de direito constantes da matrícula".
Comentando a regra do referido art. 403 (que reprisa ipsis litteris àquela que estampava o artigo 6º do revogado Provimento CNJ 65/2017) o ilustre Registrador Imobiliário Dr. FRANCISCO NOBRE (Manual da Usucapião Extrajudicial. 2019) comenta:
"O dispositivo se inspira no contido no artigo 246, § 3º do CPC, que prevê que na ação judicial de usucapião 'os confinantes serão citados pessoalmente, exceto quando tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que tal citação é dispensada'. Simplifica-se consideravelmente o procedimento nesse caso, uma vez que a única anuência a ser apresentada será a do Síndico. Deverá, claro, ser juntada ao requerimento cópia autenticada da ata condominial, comprobatória do exercício do cargo de síndico".
Com toda razão o ilustre professor que chama atenção para a necessidade da apresentação da ATA Condominial (que deverá conter a eleição e a posse do citado representante). Cabe anotar aqui que a publicidade e oponibilidade de tal Ata de Eleição e Posse do Síndico perante terceiros (inclusive o Registro de Imóveis onde tramitará a Usucapião Extrajudicial), s.m.j., só será alcançada com o registro do referido instrumento no Registro de Títulos e Documentos, considerando a expressa regra do par. único do art. 127 da LRP c/c art. 1º da LNR.
QUESTÃO PECULIAR nos casos de Usucapião Extrajudicial de unidades autônomas em Condomínios edilícios (especialmente Apartamentos) que vez ou outra acontece diz respeito à recusa do SÍNDICO em assinar declaração de anuência para o procedimento, como exigido pela normatização. Como proceder em tais casos? Não nos parece nem um pouco razoável que a falta de anuência do Síndico possa obstaculizar o prosseguimento do procedimento - especialmente se considerarmos que a falta de anuência até dos titulares registrais - pessoas muito mais importantes no procedimento em análise - não pode mais representar óbice ao prosseguimento da Usucapião em Cartório (inclusive como expressamente assentou a Lei 13.465/2017 ao alterar o art. 216-A da LRP). Nesse caso, diante da recusa do Síndico em fornecer sua anuência/concordância (o que não se pode confundir com a impugnação) será cabível a notificação do mesmo nos termos dos arts. 407 e 408 do CN-CNJ (que repetem as regras então contidas nos arts. 10 e 11 do Provimento CNJ 65/2017) já que ao final tal medida surtirá efeito de concordância/anuência face à sua inércia dos notificados, senão vejamos:
"Art. 407. Se a planta não estiver assinada pelos titulares dos direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes ou ocupantes a qualquer título e não for apresentado documento autônomo de anuência expressa, eles serão notificados pelo oficial de registro de imóveis ou por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos para que manifestem consentimento no prazo de 15 dias, considerando-se sua inércia como CONCORDÂNCIA" .
"Art. 408. Infrutíferas as notificações mencionadas neste Capítulo, estando o notificando em lugar incerto, não sabido ou inacessível, o oficial de registro de imóveis certificará o ocorrido e promoverá a notificação por edital publicado, por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de 15 dias cada um, interpretando o silêncio do notificando como CONCORDÂNCIA.
Parágrafo único. A notificação por edital poderá ser publicada em meio eletrônico, desde que o procedimento esteja regulamentado pelo Tribunal".
Dessa forma, a falta de anuência do Síndico não pode mesmo representar óbice ao reconhecimento da Usucapião Extrajudicial de apartamentos, como inclusive já decidiu com muito acerto e lucidez o Conselho da Magistratura do TJRJ em recente decisão:
"TJRJ. 0892068-25.2023.8.19.0001 - CAUTELAR INOMINADA. J. em: 04/07/2024 - CONSELHO DA MAGISTRATURA. REMESSA NECESSÁRIA. DÚVIDA SUSCITADA PELO CARTÓRIO DO 5º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL. PRETENSÃO DE REGISTRO DE ATA NOTARIAL DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL DE UNIDADE AUTÔNOMA INTEGRANTE DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO REGULAR. REGISTRO ADIADO TENDO EM VISTA A NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DA DECLARAÇÃO DE ANUÊNCIA DO SÍNDICO COM FIRMA RECONHECIDA E A ATA DA ASSEMBLEIA CONSTANDO O MESMO NESTA FUNÇÃO, CONFORME O DISPOSTO PELO ARTIGO 6º DO PROVIMENTO Nº 65/2017. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE A DÚVIDA. PARECER DA PROCURADORIA PELA CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. APRESENTAÇÃO DA ATA DA ASSEMBLEIA QUE RESTOU SUPERADA. DECLARAÇÃO DE ANUÊNCIA DO SÍNDICO QUE PODE SER SUBSTITUÍDA PELA SUA NOTIFICAÇÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 11 DO PROVIMENTO Nº 65/2017 DO CNJ. SENTENÇA QUE SE CONFIRMA EM REMESSA NECESSÁRIA".