USUCAPIÃO é - mesmo com a via extrajudicial, supostamente "mais rápida" e "descomplicada" - e sempre será um processo complexo, de resultado incerto que foge ao controle do Advogado (especialmente porque esse não pode garantir resultado em nenhuma demanda, especialmente no cenário extrajudicial), porém alguns casos específicos de Usucapião são ainda mais complexos e delicados, exigindo do causídico especial atenção a detalhes e até mesmo, em alguns casos, que se aguarde que o TEMPO repouse sobre os fatos para que melhores chances fortaleçam a pretensão do cliente/interessado.
Como sempre destacamos aqui, a USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA pode ser muito conveniente em muitos casos já que nessa espécie ao mesmo tempo em que se exige o MAIOR PRAZO de posse qualificada (15 anos que pode ser reduzido para 10 anos) os requisitos exigidos são em MENOR quantidade. Convém recordar o comando do art. 1.238 do atual Código Civil:
"Art. 1.238. Aquele que, por QUINZE ANOS, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a DEZ ANOS se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo".
Via de regra a propriedade condominial (ou seja, aquela dividida entre vários titulares que possuem fração ideal sobre o todo) NÃO PODERÁ ser objeto de usucapião e, naturalmente, assim se manterá imune aos efeitos da prescrição aquisitiva enquanto mantiver VIVA essa condição de "copropriedade"). O Desembargador Aposentado do TJSP, Professor, Advogado, Tratadista e Especialista no assunto, Dr. BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO em sua clássica obra (Tratado de Usucapião. 2012) esclarece a respeito do regime condominial estabelecido em várias propriedades imobiliárias:
"(...) O condomínio, também chamado de compropriedade, caracteriza-se pelo estado de indivisão, em que duas ou mais pessoas exercem, a um só tempo, o direito de propriedade, cabendo a cada uma dessas pessoas igual direito, mas de forma ideal, não somente quanto ao todo, como também sobre cada uma de suas partes. A fração ou parte ideal significa a parcela não determinada que uma pessoa tem na coisa em condomínio".
Nesse sentido é farta a jurisprudência dos Tribunais que, com todo acerto, inadimitem a Usucapião sobre bens mantidos em "propriedade comum", servindo como ilustração o seguinte julgado:
"TJSP. 1064268-13.2018.8.26.0100. J. em: 25/09/2023. Apelação Cível. Ação de usucapião especial urbana. A área comum do edifício que, embora utilizada com exclusividade por um dos condôminos, é insuscetível de ser usucapida. Trata-se de ato de mera tolerância por parte dos demais condôminos qualquer ocupação que se faça por condômino durante qualquer tempo que seja em área comum do condomínio, que não se converterá em domínio particular desse condômino. Mantida a improcedência da ação. Apelo desprovido".
TODAVIA, um ponto importante a ser analisado e pinçado nesses casos específicos de Usucapião sobre suposta "área comum" em condomínios é se de fato está havendo posse exclusiva do interessado sobre a área pretendida - posse exclusiva que exclui os demais possuidores.
Efetivamente o exercício com exclusividade da posse pelo interessado sobre o imóvel pretendido (ou parte dele) há de constituir a exceção que poderá conduzir à prescrição aquisitiva, na medida em que sua possa seja capaz de fazer cessar de fato o "condomínio" (ou, mais detadalhadamente falando, o "co-domínio"), tanto no que diz respeito à fração ideal, quanto ao todo, representando exclusão dos demais comunheiros. A lição é também do festejado Tratadista que ensina:
"A usucapião de condômino em face de condômino será em regra a extraordinária, sem justo título. (...) No que concerne à usucapião extraordinária, ela é possível em favor de condômino contra outro, uma vez que o estado de condomínio cesse de fato pela POSSE EXCLUSIVA de um, em seu nome, por mais de quinze anos, com a intenção manifesta e inequívoca de ter todo o imóvel como seu. Sempre que tenha, em suma, a EXCLUSIVIDADE de uma posse localizada. (...) A posse exclusiva sobre parte certa e localizada ou sobre todo o imóvel tido em condomínio deve ser QUALIFICADA ('posse ad usucapionem'), isto é, deve revestir-se de todos os requisitos exigidos por lei. O ânimo de proprietário ('animus domini') deve estar cumpridamente evidenciado, cabendo ao possuidor manter-se com a intenção de ter a coisa para si - 'animo rem sibi habendi'".
Como se disse acima e se reafirma mais uma vez, não é possível garantir o resultado da pretensão (não só em casos de Usucapião) mas como a própria jurisprudência e doutrina evidenciam, haverá casos onde a Usucapião sobre bem comum poderá ter êxito, desde que é claro bem analisados os fatos, as provas e satisfeitos os requisitos legais, como confirma julgado recentíssimo do TJMG que cirurgicamente aponta que os requisitos (especialmente o TEMPO DE POSSE qualificada) deverão ser preenchidos:
"TJMG. 5002014-31.2018.8.13.0056. J. em: 30/10/2024. Apelação cível - Ação de usucapião - Vaga de garagem - Uso comum - POSSIBILIDADE - Condomínio edilício - Posse - Requisitos para o preenchimento da prescrição aquisitiva não evidenciados - Recurso ao qual se nega provimento. 1. Nos termos do artigo 1.238 do Código Civil, adquirir-lhe-á a propriedade, independentemente de título e boa-fé, quem possuir imóvel por quinze anos, sem interrupção e oposição, com a intenção de dono. 2. Em casos EXCEPCIONAIS, admite-se usucapião sobre áreas comuns específicas, especialmente se não houver oposição da parte dos demais condôminos. 3. A vaga de garagem, também chamada de espaço de estacionamento, como unidade autônoma e correspondendo a uma fração ideal do terreno, com localização e confrontações especificadas, não emerge impedimento à aquisição por usucapião cujo objetivo será a regularização do título dominial. 4. NÃO SENDO COMPROVADO O LAPSO TEMPORAL NECESSÁRIO ao reconhecimento da usucapião, relativo à utilização da vaga de garagem pelo autor da ação, deve ser mantida a sentença de improcedência".