Moro há mais de quinze anos em um apartamento sem Condomínio instituído: cabe Usucapião para regularizá-lo e obter o RGI?

Usucapião

A USUCAPIÃO SOBRE IMÓVEIS em situação irregular perante o RGI não é uma surpresa e como já falamos em diversas outras passagens, há um sem número de irregularidades que podem ser descobertas quando do exame da Certidão da Matrícula. Não por outra razão continua sendo essa nossa melhor orientação quando tratamos com casos imobiliários - especialmente regularização de imóveis via Usucapião Judicial e Extrajudicial: começar o exame pela origem registral, conforme Certidão passada pelo Registrador Imobiliário competente.

Antes de tudo é preciso recordar que hoje em dia a situação do imóvel pode ser obtida facilmente através da Central Eletrônica do Registro de Imóveis (no endereço https://registradores.onr.org.br/), onde pode ser possível optar pela "Visualização de Matrícula" (que atende satisfatoriamente para essa finalidade) ou através da "Certidão de Inteiro Teor da Matrícula do Imóvel", sendo oportuno recordar o disposto no §11 do art. 19 da Lei de Registros Públicos, incluído pela recente Lei 14.382/2022 que reza:

"§11. No âmbito do REGISTRO DE IMÓVEIS, a Certidão de Inteiro Teor da Matrícula conterá a reprodução de todo seu conteúdo e será suficiente para fins de comprovação de propriedade, direitos, ÔNUS REAIS e restrições sobre o imóvel, independentemente de certificação específica pelo oficial".

Para fins de aquisição DERIVADA não restam dúvidas que a correta transação imobiliária, a teor do art. 1.245 do Código Civil exigirá por exemplo, quando unidade egressa de Condomínio Edilício (apartamento v.g.), sua regularização perante o Registro Imobiliário (com a incorporação e instituição do Condomínio, por exemplo), porém, sendo o caso de aquisição ORIGINÁRIA (Usucapião, tanto pela Judicial quanto pela via Extrajudicial) a inexistência da instituição do condomínio, tratando-se, portanto do chamado "Condomínio de Fato" seria um impedimento?

Comungamos da mesma opinião da especializada doutrina, assim como da abalizada jurisprudência que sinalizam pela POSSIBILIDADE da Usucapião mesmo em se tratando de unidade componente de Edifício em situação irregular perante o RGI pela falta da instituição do condomínio. Antes porém de revisitar esse embasamento é preciso recordar que o atual PROVIMENTO CNJ 149/2023 reprisa o que já advogava o revogado PROVIMENTO CNJ 65/2017 no seu artigo 7º. O atual Provimento determina:

"Art. 404. Na hipótese de a unidade usucapienda localizar-se em CONDOMÍNIO EDILÍCIO CONSTITUÍDO DE FATO, ou seja, sem o respectivo registro do ato de incorporação ou sem a devida averbação de construção, será exigida a anuência de todos os titulares de direito constantes da matrícula".

Ademais, espelha também no §4º do atual artigo 417 o que estampava o §4º do artigo 20 do Provimento revogado:

"§ 4.º Tratando-se de usucapião de unidade autônoma localizada em condomínio edilício objeto de incorporação, mas AINDA NÃO INSTITUÍDO ou sem a devida averbação de construção, a matrícula será aberta para a respectiva fração ideal, mencionando-se a unidade a que se refere".

Vê-se, portanto, que o só fato da inexistência de matrícula individualizada, incorporação, averbação de construção ou ainda, instituição do condomínio não podem obstaculizar a pretensão de regularização via Usucapião, como inclusive defende a doutrina especializada (KÜMPEL e FERRARI. Tratado Notarial e Registral. 2020):

"Questão polêmica diz respeito à possibilidade de usucapião de unidade autônoma (casa, apartamento, escritório, etc.) a despeito do prévio registro da instituição condominial. (...) Não é possível confundir a USUCAPIÃO com a REGULARIZAÇÃO registrária da usucapião. A usucapião é forma independente de aquisição da propriedade que só ingressa no registro para outorgar disponibilidade ao bem e para tonar a mera aparência registrária em realidade, albergando segurança ao tráfego negocial".

Os ilustres doutrinadores asseveram:

"No Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, firmou-se entendimento no sentido de ser possível a usucapião de unidade autônoma em condomínio irregular, ressaltando-se que '(...) na verdade, o que se aprecia em ação de usucapião (...) é a REALIDADE DE FATO, traduzida em posse sobre bem materialmente existente. Uma vez preenchidos os requisitos legais para que isto gere a aquisição da propriedade, a realidade de fato passa a equivaler a REALIDADE DE DIREITO, cujo ingresso no registro imobiliário é consequência". No que diz respeito à USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL, adotando a concepção de que o registro da usucapião é desvinculado do prévio registro da instituição e especificação condominial, o Provimento 65/2017 do CNJ consigna que no caso de usucapião de unidade autônoma, localizada em condomínio edilício, objeto de incorporação, mas ainda não instituído ou sem a devida averbação de construção, deve-se abrir matrícula para a respectiva fração ideal, fazendo-se menção à unidade autônoma correspondente. Neste caso, nada impede que diante do posterior registro de instituição condominial a matrícula da unidade autônoma, aberta anteriormente por ocasião do registro da usucapião, seja retificada ou adaptada por simples cálculo, a fim de adequá-la às frações ideais e demais elementos da especificação condominial".

De fato, mesmo na Usucapião manejada pela via extrajudicial, a irregularidade do condomínio edilício perante o RGI não pode ser empecilho para a pretensão. Nesse mesmo sentido, incluive com base em importante precedente do STJ é a decisão recente do TJCE que merece ser prestigiada:

"TJCE. 0220455-88.2022.8.06.0001. J. em: 25/10/2023. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ÁREA INTEGRANTE DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO IRREGULAR. TEMA REPETITIVO Nº 1025 DO STJ. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA SOBRE BEM IMÓVEL. PRÉVIO REGISTRO IMOBILIÁRIO DISPENSÁVEL. FORMA DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. SENTENÇA DE NATUREZA DECLARATÓRIA QUE SERVE COMO TÍTULO PARA REGISTRO EM CARTÓRIO. RECURSO CONHECIDO E, NO MÉRITO, PROVIDO. (...) 2. O cerne da questão consiste em avaliar se é cabível a propositura de ação de usucapião para aquisição de unidade imobiliária encravada em CONDOMÍNIO EDILÍCIO EM SITUAÇÃO IRREGULAR. 3. A matéria sob análise deve ser interpretada em consonância ao entendimento consolidado no julgamento do REsp nº 1818564/DF, submetido ao rito dos recursos repetitivos (Tema Repetitivo nº 1025 do STJ), que deu origem a seguinte tese jurídica: "é cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística." 4. É cediço que a usucapião consiste em um MEIO DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE, a qual provém do lapso temporal relativo ao exercício da posse com animus domini sobre bem (i) móvel, inspirada na cláusula geral da função social da propriedade enquanto relação jurídica de caráter complexo. 5. No caso em apreço, de acordo com o juízo de primeira instância, o regular processamento desta ação encontraria óbice na situação irregular do condomínio edilício onde está encravada a unidade imobiliária, pois esse fato impediria a formalização do registro do imóvel que se pretende usucapir, face a AUSÊNCIA DE MATRÍCULAS INDIVIDUALIZADAS do empreendimento. 6. Ocorre que esse entendimento vai de encontro ao precedente qualificado que deu origem ao TEMA REPETITIVO nº 1025 do STJ, notadamente por considerar de forma indistinta a aquisição do direito real de propriedade e a certificação / publicidade do título de domínio por intermédio do registro imobiliário. 7. Assim, ao considerar que a usucapião é um meio de aquisição originária da propriedade - que não pode ser confundida com a situação registrária do bem ao qual se busca usucapir - , é dispensável a existência de prévia lavratura do registro de matrícula para que se complete a prescrição aquisitiva, diversamente do que ocorre nas hipóteses de AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE, em que, de fato, é necessária a existência do registro imobiliário para a efetivação da tradição do bem imóvel (art. 1.245, caput, do CC). 8. Recurso conhecido e, no mérito, provido. SENTENÇA ANULADA".