Há muito tempo fiz um Testamento e de lá para cá muita coisa mudou, inclusive minhas ideias. É possível modificar minhas disposições?

Inventario

FAZER UM TESTAMENTO nunca foi nossa primeira orientação para a necessidade recorrente de muitas pessoas em "resolver" o patrimônio e tratar a questão da distribuição dos seus bens para depois da morte. Com tantos problemas noticiados na grande mídia não é difícil entender os motivos: muitos inventários se arrastam por anos na Justiça e o ponto em comum em muitos deles é a existência de um testamento que certamente não agrada a todos; o que deveria ser uma ferramenta para evitar litígios acaba sendo justamente o motivo para a interminável celeuma em família. A experiência em Cartório sempre nos fez sugerir, antes de um testamento, outras alternativas bem viáveis como a doação com reserva de usufruto, especialmente com a adoção de cláusulas (que muitos colegas até desconhecem, para nosso espanto). Ainda assim não se desconhece que a Sucessão Testamentária pode ter suas vantagens e tudo isso só confirma a necessidade de que cada caso merece seu devido estudo de caso respeitando os contornos particulares de cada situação.

A realização de um Testamento deve observar as formalidades legais. Como já falamos em outras passagens, a legislação atual admite diversas formas de Testamento sendo muito conhecido o Testamento feito em Cartório (Testamento Público, cujas regras estão no artigo 1.864 e seguintes do CCB) e o Testamento que pode ser feito agora mesmo, depois que você terminar de ler esse pequeno texto aqui, abrindo seu editor de texto, ou pegando caneta e papel ou ainda, aquela velha máquina de escrever que ainda funciona (Testamento Particular, regras no artigo 1.876 e seguintes do CCB) - máquina esta que inclusive pode ser objeto de um legado dentro do Testamento, sabia?

Por óbvio nossa recomendação sempre será que as disposições testamentárias sejam feitas com assistência de um Advogado Especialista, ainda que a opção seja o Testamento Público que, por Lei, deve ser escrito pelo Tabelião ou por seu SUBSTITUTO LEGAL. É que na verdade a função do Advogado será ouvir o Testador sobre seus anseios, necessidades e vontades e dar o melhor encaminhamento, dentro do que a Lei autoriza. A forma legal, se a opção for pelo Testamento Público, será dada pelo Tabelião que também será responsável - não se olvide - pela observação das formalidades legais, porém não se discute que defender o melhor interesse do cliente é e sempre foi a função orgância do ADVOGADO. Não foi surpresa para mim, em caso recente, que uma cliente que já tinha feito um Testamento Público há alguns anos desconhecesse que podia mudar seu testamento a qualquer momento, inclusive para dar atendimento à vontades que ela sempre teve mas que não foram objeto do testamento já que por ocasião da lavratura do Testamento em Cartório justamente não recebeu a devida orientação (ela estava desacompanhada de Advogado). Essa situação serviu para esclarecê-la sobre tudo que podia fazer diante das peculiaridades do seu caso (solteira, sem descendentes e ascendentes vivos e com muitos bens variados), especialmente sobre o fato de que o Testamento pode ser mudado a qualquer tempo, independentemente de motivação, como reza o art. 1.858 do Código Reale:

"Art. 1.858. O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo".

O ilustre Professor, Advogado e Desembargador aposentado do TJSP, Dr. NEY DE MELLO ALMADA (Sucessões. 2006) sobre esse aspecto pontua:

"De conformidade com o art. 1.858, o testamento pode ser mudado a qualquer tempo, frase indicativa de que é REVOGÁVEL. A liberdade de testar inclui a de revogar testamento, sendo ineficaz a cláusula pela qual o testador iniba a revogação da cédula, a chamada cláusula derrogatória. Posto que a revogabilidade se especifique dentre os atributos legais do testamento (CC, art. 1.969 e ss.), reveste aspecto cogente. Para que o ato de última vontade conserve sua eficácia ao longo do tempo, é imprescindível que não tenha sido cassado até a morte de seu autor, abstendo-se este de emitir voz contrária ou 'novíssima voluntas'".

Nos termos do art. 1.970 do CCB, o testamento pode ser revogado de forma total ou parcial. Nossa recomendação, para maior segurança, será sempre que a revogação seja expressa e total, o que vai sempre costurar maior segurança na interpretação da vontade do testador, afinal de contas, o que deve guiar a realização de um testamento será o cumprimento da vontade do testador e a segurança da disposição, tentando ao máximo evitar o nascedouro de conflitos intermináveis como vemos na mídia a cada morte de um famoso. Lamentável.

Outro aspecto importante no que diz respeito à modificação/revogação de testamentos é relativo à possibilidade de se REVOGAR um Testamento PÚBLICO através de um Testamento PARTICULAR: parece não haver dúvidas sobre a possibilidade da revogação manejada dessa forma - ainda que muitos tabeliães, por óbvio, discordem. A jurisprudência já teve oportunidade de avaliar tal possibilidade várias vezes, como exemplifica acórdão do TJDFT (0009953-23.2017.8.07.0001. J. em: 03/10/2018) que por unanimidade decreta que "NÃO EXISTE HIERARQUIA ENTRE O TESTAMENTO PÚBLICO E PARTICULAR".

POR FIM, ainda que tranquila a possibilidade de um Testamento Particular revogar um Testamento Público, não menos importante é atentar para que o mesmo observe as formalidades legais, sob pena de não atender as finalidades para as quais se destina, inclusive sendo totalmente DESCONSIDERADO e consequentemente reputado NULO, como atesta a recente jurisprudência do TJRJ:

"TJRJ. 00145196120228190209. J. em: 23/05/2023. APELAÇÃO CÍVEL. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA DE ABERTURA DE TESTAMENTO. AFERIÇÃO DOS REQUISTOS EXTRÍNSECOS. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. Cuida-se de pedido de abertura de TESTAMENTO PARTICULAR, no qual a requerente sustenta que o de cujus teria deixado testamento particular, datado de 13/05/2020, elaborado por meio mecânico pelo próprio testador, para a "atualização" das disposições de última vontade previstas no TESTAMENTO PÚBLICO elaborado em 2014, diante da aquisição de novo bem imóvel (cláusula 4ª) e no intuito de incluir (e não substituir) três novos beneficiários, além daqueles já contemplados anteriormente. 2. A sentença rejeitou o pleito, ao fundamento de que O DOCUMENTO EM TALE NÃO PREENCHE OS REQUISITOS LEGAIS DE VALIDADE. 1. Com arrimo no art. 1876 do Código Civil, para a validade do testamento particular escrito mecanicamente, é imprescindível a presença de três testemunhas. 2. O testamento hológrafo, se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão. 3. A jurisprudência do STJ, em se tratando de sucessão testamentária, em especial nas hipóteses de TESTAMENTO PARTICULAR, se consolidou no sentido de que é admissível a FLEXIBILIZAÇÃO das formalidades inerentes aos testamentos, inclusive dos particulares, tendo como base a preservação da vontade do testador. 4. No caso, o testamento particular foi elaborado sem a subscrição do ato por testemunha alguma, dependendo a validade do documento de "pelo menos três", conforme previsão legal. 5. Ocorre que esse não é o único vício a ensejar a invalidade do ato pois não houve a leitura e a assinatura do documento pelo testador na presença das testemunhas, como exige a legislação de regência. 6. Inexiste prova de que as testemunhas tenham presenciado a leitura e a subscrição do documento pelo testador. 7. Com isso, incontroverso o fato de que o testamento particular teria DESOBEDECIDO a forma prevista no art. 1.876, § 2º, do CC. 8. Não há dúvidas de que tais vícios atingem diretamente a substância do ato de disposição, implicando na IMPOSSIBILIDADE DE SE RECONHECER A VALIDADE do próprio testamento. 9. Embora haja mitigação pela jurisprudência do Tribunal Superior acerca dos requisitos do testamento, ao fundamento de que a formalidade não pode se sobrepor ao último ato de vontade do testador, tal entendimento somente é aplicado em HIPÓTESES EXCEPCIONAIS, nas quais as circunstâncias específicas levam a conclusão acerca da vontade inequívoca do autor do instrumento, o que definitivamente não é o caso da presente hipótese. 10. Ausência de requisitos formais. 11. Manutenção da sentença de improcedência. 12. Recurso desprovido".