Comprei minha casa por Escritura de Cessão de Posse e o Cartório do RGI recusou o registro. E agora? Como regularizar?

Usucapião

A CORRETA AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS de acordo com as regras vigentes no ordenamento jurídico brasileiro exigirá o REGISTRO no Cartório de Registro de Imóveis, mas não só o registro: o registro do TÍTULO adequado, como sempre falamos aqui. Via de regra, esse título será a Escritura Pública mas a lei excepciona diversos casos onde a aquisição independerá de ESCRITURA PÚBLICA, como por exemplo, para os imóveis de valor até 30 salários mínimos (art. 108 do CCB), nos casos de aquisição originária (USUCAPIÃO, por exemplo) ou ainda, através de transmissão "causa mortis" ("HERANÇA", onde os bens são havidos por conta do falecimento do dono). Ainda assim, para esses últimos dois casos o registro no Cartório de Imóveis se faz necessário não para efetivar a transmissão mas sim para publicizar a nova titularidade e inclusive, embasados na segurança jurídica outorgada pelo REGISTRO, permitir, dentre outros, o exercício do "ius disponendi". É que na Usucapião e no recebimento de bens através do Inventário a aquisição se dá independemente do Registro em Cartório, como também já falamos outrora.

A "POSSE" não se confunde com "PROPRIEDADE" embora nela possa ser convertida, desde que preenchidos os requisitos legais, através da medida JUDICIAL ou EXTRAJUDICIAL adequada. Aqui no RIO DE JANEIRO o Código de Normas Extrajudiciais (Provimento CGJ/RJ 87/2022) manteve disposição do Código anterior que autorizava a lavratura de dois tipos de ESCRITURAS PÚBLICAS que tratam da POSSE: a Escritura Declaratória de Posse e a Escritura de Cessão de Posse. Como também já explicamos em passagens anteriores, a posse de imóveis pode ser transmitida por qualquer outra forma (inclusive Instrumento Particular) - e inclusive essa questão já foi há muito tempo enfrentada pelo STJ (vide REsp 61.165-2/RS, julgado em 23/04/1996). Em se tratando dos dois instrumentos autorizados pela CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO TJRJ através do Código de Normas, temos que a "Escritura Declaratória de Posse" servirá para entabular situação fática vivenciada pelo ocupante do imóvel que tem interesse em "tornar público" através da Escritura [Pública] o contexto no qual está inserido que, como sabemos, tem potencial carga para que no futuro possa ser aparelhada em medida possessória para buscar a regularização demonstrando a prescrição aquisitiva (Usucapião). Já a "Escritura de Cessão de Posse" servirá para negociar e transmitir a posse, sendo certo que ela sozinha, desprovida dos demais elementos probatórios do exercício da posse não deverá ser suficiente para a conversão de posse em propriedade (como inclusive o estudo da jurisprudência especializada demonstra com acerto).

Abro um importante parêntese para deixar claro que a Escritura lavrada pelo Tabelião de Notas não deve fazer prova senão das declarações perante ele prestadas pelos interessados, ainda que possam fazer parte do dossiê arquivado diversas provas trazidas pelo declarante/cedente - como se verá adiante.

É importante não esquecer que ambas Escrituras sozinhas - como inclusive alerta a CGJ em suas normas - não servem mesmo para demonstrar confirmação ou estabelecimento de propriedade. Assim diz a regra:

"Art. 384. Nas escrituras públicas declaratórias de posse e de cessão de direitos possessórios, deverá constar, obrigatoriamente, declaração de que o ato não tem valor como confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo, apenas à instrução de ação própria, podendo o tabelião, ao seu prudente arbítrio, exigir a presença de testemunhas ou outros dados objetivos da posse".

A própria norma já confirma cautela presente em nossa experiência nesse tipo de demanda: não bastará a lavratura do instrumento para demonstrar a posse hábil para aquisição por Usucapião. Todas as provas existentes no momento da lavratura deverão ser apresentadas ao Tabelião - que pode ser qualquer Tabelião de Notas e não necessariamente o Tabelião da região do imóvel - de modo a confirmar e robustecer o conjunto probatório fático existente, sendo certo inclusive que estas deverão permanecer arquivadas junto ao DOSSIÊ NOTARIAL nos acervos cartorários, observada a temporalidade. Aqui uma grande DICA deve ser revelada: diferentemente do ato notarial em si que é PERENE e fará parte por toda a ETERNIDADE do acervo cartorário, todos os documentos que serviram de base para a sua elaboração poderão ser descartados depois de determinada data, observada a referida Tabela de Temporalidade vigente. Atualmente os documentos que servem de base para a lavratura de Escrituras podem ser destruídos/descartados em 10 (dez) anos, conforme item 3-5-5 da TTD/RJ (disponível em https://cgj.tjrj.jus.br/web/guest/consultas/tabela-temporalidade/consulta-tab-temp-doc-pdf). O Registro da documentação probatória no CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS é uma excelente dica para a preservação da documentação.

A referida Escritura, como se viu, não serve para outra coisa senão a tentativa de regularização via USUCAPIÃO JUDICIAL ou EXTRAJUDICIAL (nos moldes do art. 216-A da LRP), não prestando nem mesmo para REGISTRO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS já que não se trata de "propriedade" mas sim "posse", não constando nem mesmo no rol dos títulos registráveis do art. 167 da mesma LRP. Dessa forma a recusa do seu registro junto ao Cartório do RGI se mostra acertada. Outro instrumento notarial importante que com a Usucapião Extrajudicial voltou a ter seu merecido destaque foi a "ATA NOTARIAL" - que não se confunde com Escritura. A Ata sim é o instrumento útil e adequado para demonstrar muitas situações fáticas (já que poderá contar inclusive com o comparecimento presencial do Oficial ao local do imóvel), sendo inclusive obrigatória para duas soluções imobiliárias extrajudicializadas recentemente: Usucapião Extrajudicial e Adjudicação Compulsória Extrajudicial.

POR FIM, recente jurisprudência do TJPR que em sede de Ação de Usucapião Extraordinária prestigia a importância da ESCRITURA PÚBLICA DE CESSÃO DE DIREITOS POSSESSÓRIOS como um dos documentos a legitimar o interesse de agir dos usucapientes:

"TJPR. 00013697420228160054. J. em: 10/07/2023. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, SOB FUNDAMENTO DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. USUCAPIÃO PAUTADA EM ESCRITURA PÚBLICA DE CESSÃO DE DIREITOS POSSESSÓRIOS. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE TÍTULO AQUISITIVO. IMÓVEL QUE, SEGUNDO AFIRMAM OS AUTORES, NÃO POSSUI MATRÍCULA NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEL, E, PORTANTO, INEXISTIRIA DIREITO DE PROPRIEDADE RECONHECIDO EM FACE DE QUEM QUER QUE SEJA. AÇÃO DE USUCAPIÃO ADEQUADA AO CASO CONCRETO. MODO ORIGINÁRIO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. SENTENÇA CASSADA PARA QUE SE REMETA OS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO. PRECEDENTES DESTA CÂMARA E DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO A QUE SE DÁ PROVIMENTO".