O Dever dos Planos de Saúde no Custeio de Terapias para Autismo: Hidroterapia, Equoterapia e Musicoterapia

Terapias Autismo

A recusa de cobertura por parte das operadoras de planos de saúde para tratamentos prescritos a beneficiários com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma questão recorrente e de elevada sensibilidade no âmbito do direito à saúde. Terapias como hidroterapia, equoterapia e musicoterapia, frequentemente indicadas por médicos especialistas como essenciais ao desenvolvimento neuropsicomotor do paciente, costumam ser o epicentro de litígios. A dúvida que se impõe é: existe a obrigação legal de custeio? A resposta, amparada pela legislação e pela jurisprudência majoritária, é afirmativa, e a recusa indevida pode, inclusive, gerar o dever de indenizar por danos morais.

O pilar fundamental que sustenta o dever de cobertura é a soberania da prescrição médica. O profissional de saúde que acompanha o paciente é a autoridade técnica competente para determinar quais são as terapias mais adequadas e eficazes para o seu quadro clínico. Se o laudo médico, de forma detalhada e justificada, aponta a necessidade de métodos terapêuticos específicos para o progresso do paciente, não cabe à operadora do plano de saúde questionar a pertinência do tratamento indicado, substituindo o critério técnico-médico por uma análise puramente administrativa ou financeira. A Lei nº 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, assegura o acesso a ações e serviços de saúde com vistas à atenção integral às suas necessidades.

O principal argumento utilizado pelas operadoras para negar a cobertura é a ausência de tais terapias no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Contudo, esta tese foi superada. A Lei nº 14.454/2022 estabeleceu de forma inequívoca que o referido rol possui caráter exemplificativo, e não taxativo, para os tratamentos que contam com comprovada eficácia científica. Dessa forma, a ausência de um procedimento na lista da ANS não é, por si só, motivo lícito para a recusa, devendo a operadora custear o tratamento prescrito pelo médico assistente.

Diante da recusa administrativa, o Poder Judiciário tem consolidado o entendimento de que a negativa de cobertura para terapias multidisciplinares prescritas a pacientes com TEA é abusiva. As decisões judiciais se fundamentam no direito fundamental à saúde, na dignidade da pessoa humana e na função social do contrato de plano de saúde. Considera-se que a recusa que impede o acesso a um tratamento essencial à saúde e ao desenvolvimento de um beneficiário vulnerável viola a boa-fé objetiva e torna inócua a própria finalidade do contrato, que é a de garantir a assistência à saúde.

As terapias em questão – hidroterapia, equoterapia e musicoterapia – não são tratamentos experimentais ou alternativos, mas sim métodos terapêuticos reconhecidos, que integram uma abordagem multidisciplinar e que apresentam resultados cientificamente comprovados na melhora de habilidades sociais, de comunicação, motoras e cognitivas de pessoas com autismo. Negar o acesso a essas ferramentas terapêuticas significa privar o paciente de uma oportunidade real de desenvolvimento e de melhora em sua qualidade de vida, o que é inadmissível à luz do ordenamento jurídico pátrio.

Por fim, a recusa injustificada da operadora transcende o mero inadimplemento contratual, configurando ato ilícito passível de condenação por danos morais. A angústia e o sofrimento impostos à família, que se vê desamparada no momento em que mais precisa de suporte, e o prejuízo ao desenvolvimento do paciente, decorrente do atraso no início do tratamento, constituem um abalo psicológico que ultrapassa o mero aborrecimento. A jurisprudência reconhece que a negativa indevida de cobertura de saúde, ao agravar a situação de aflição psicológica e de angústia do beneficiário, gera o dever de indenizar.