
É um cenário desolador e, infelizmente, comum: um paciente, após ter um tratamento essencial negado pelo plano de saúde, busca o Poder Judiciário e obtém uma liminar (decisão judicial de urgência) que obriga a operadora a custear o procedimento. A sensação é de alívio, mas logo se transforma em angústia quando a empresa, mesmo ciente da ordem, simplesmente a ignora. A pergunta que ecoa é: por que uma empresa descumpre uma decisão judicial? A resposta, fria e estratégica, reside em uma análise de custo-benefício que, paradoxalmente, encontra amparo em uma prática recorrente do próprio sistema de justiça.
A lógica por trás do descumprimento é puramente financeira. Para a operadora de saúde, a questão é um cálculo: o que é mais caro? Custear um tratamento de alto valor (como terapias para autismo, medicamentos oncológicos fora do rol da ANS ou cirurgias complexas) ou arcar com a multa diária fixada pelo juiz em caso de desobediência, conhecida como astreintes? Frequentemente, o valor do tratamento supera, em muito, o montante inicial da multa, tornando o descumprimento, sob uma ótica estritamente empresarial, a opção "mais barata" no curto prazo, ainda que em detrimento da saúde e da vida do paciente.
Aqui entra o papel crucial e controverso do Poder Judiciário. Ao conceder a liminar, o juiz estabelece uma multa diária para forçar o cumprimento da decisão. Contudo, a legislação brasileira permite que, ao final do processo, o valor total acumulado da multa seja revisto e drasticamente reduzido pelo magistrado, sob o argumento de evitar o "enriquecimento ilícito" do autor da ação. As operadoras de saúde conhecem profundamente essa prática e, em muitos casos, contam com ela. Elas deliberadamente deixam a multa acumular, apostando que, no futuro, conseguirão reduzi-la a uma fração do valor original, tornando a desobediência uma estratégia financeiramente viável.
Esse comportamento cria um ciclo perverso. Ao reduzir consistentemente as astreintes, o Judiciário, ainda que não intencionalmente, emite um sinal claro ao mercado: descumprir uma ordem judicial pode compensar. A multa, que deveria ter um caráter coercitivo para proteger o direito fundamental à saúde, perde sua força e se torna apenas mais um risco calculado no balanço financeiro das grandes corporações. O resultado é a perpetuação do sofrimento do paciente, que, mesmo com uma decisão favorável em mãos, precisa continuar lutando para que seu direito seja, de fato, efetivado.
Diante dessa complexa realidade, a figura do Advogado Especialista em Direito da Saúde e do Consumidor transcende a de um mero representante legal. É este profissional que possui o conhecimento técnico para não apenas obter a liminar, mas para utilizar os instrumentos processuais corretos que visam garantir sua efetividade. Ele saberá como comunicar ao juízo a recalcitrância do plano, requerer a majoração da multa e, fundamentalmente, construir uma argumentação jurídica sólida para impedir ou, ao menos, mitigar a futura redução das astreintes, demonstrando que o valor não se trata de enriquecimento, mas da única forma de compelir a empresa a cumprir sua obrigação.
Portanto, a luta contra uma negativa abusiva não termina com a concessão da liminar. A fase de cumprimento da decisão é igualmente, se não mais, crítica. A escolha de uma assessoria jurídica que compreenda as táticas das operadoras e as nuances do sistema judicial é o fator determinante para converter uma vitória no papel em um tratamento de saúde garantido na prática. Ignorar essa necessidade é correr o risco de ter o direito reconhecido, mas nunca efetivado.
