A USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL, da mesma forma como a Usucapião veiculada na via JUDICIAL se presta a regularizar situações consolidadas onde o pretendente já reúne os requisitos exigidos por Lei para a declaração da Usucapião do direito real em discussão (na maioria das vezes, a PROPRIEDADE, cf. item I do art. 1.225 do CCB/2002).
Pode soar um pouco estranho - especialmente para aqueles não familiarizados com a matéria - mas a Usucapião também serve para regularizar a titularidade sobre OUTROS DIREITOS REAIS, tais como o USUFRUTO, o DIREITO DE LAJE e outros, como inclusive já falamos aqui.
Os imóveis situados em região de praia (inclusive os comumente chamados "Terrenos de Marinha") exigem maior cautela do profissional que aprecia a pretensão do Usucapiente: é que por disposição expressa da Constituição Federal tais imóveis são bens da União, portanto, públicos, imunes à Usucapião:
"Art. 20. São bens da União:
(...)
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos"
(...) "
Regra semelhante também encontra base no vetusto porém ainda válido Decreto-Lei nº. 9.760/46. ACONTECE QUE, a possibilidade de Usucapião em imóveis nessas localidades reside justamente nas hipóteses onde usucapião mira o DOMÍNIO ÚTIL quando há enfiteuse ou aforamento constituído, quando então deverá a pretensão correr contra o titular desse direito (o particular, no caso), não ofendendo o domínio direto do ente público.
A doutrina abalizada assinada pelo Registrador Imobiliário MARCELO COUTO (Usucapião Extrajudicial - Doutrina e Jurisprudência. 2021) esclarece:
"A enfiteuse, ou aforamento, é um DIREITO REAL sobre coisa alheia, constituído de forma perpétua, que cinde a propriedade em DOIS DIREITOS, cujas faculdades são bastante distintas: enquanto o proprietário direto tem a nua-propriedade do bem, o enfiteuta possui um direito quase tão amplo quanto a propriedade, no qual se encontra toda a utilidade da coisa. (...) No caso de bem submetido ao regime jurídico de enfiteuse ou aforamento, não é possível usucapir o domínio direto, titularizado pelo ente público. Entretanto, pode-se usucapir o DOMÍNIO ÚTIL, quando titularizado por particular".
A jurisprudência do TRF2, igualmente clara e didática, também ensina:
"TRF-2. 0005614-43.2002.4.02.5102-RJ. J. em: 13/09/2017. APELAÇÃO. USUCAPIÃO. DOMÍNIO ÚTIL. TERRENO DE MARINHA. AUSÊNCIA DE AFORAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Apelação contra a sentença que julgou sentença que julgou PROCEDENTE ação de usucapião de domínio útil. 2. Ainda que se entenda cabível a ação de usucapião tendo por objeto a aquisição de DOMÍNIO ÚTIL de bens públicos, a procedência do pedido exigirá que o imóvel esteja previamente submetido a regime de aforamento. A prescrição aquisitiva se verificará ENTRE PARTICULARES, isto é, o particular enfiteuta em sentido formal e aquele que reclama o domínio útil do bem por sua utilização. O domínio pleno da União Federal, nesse cenário, não é afetado. 3. No caso concreto, o imóvel discutido, apesar de enquadrado como terreno de Marinha, não se encontra sob regime de aforamento, o que impede a aquisição de domínio útil, eis que subsistente apenas ocupação particular irregular. Conforme jurisprudência dessa Corte é necessária a prévia instituição da enfiteuse para que seja possível a prescrição aquisitiva de domínio útil de imóvel que se caracterize como terreno de marinha. (...). 4. Apelação provida".