INVENTÁRIOS tradicionalmente são processos que envolvem distribuição/partilha de herança, bens, quantias em dinheiro e outras "vantagens" aos herdeiros, todavia, é preciso ter em mente que essa partilha só deve existir se, ao final da apuração de débitos e créditos (passivos e ativos, bens e dívidas) restar algo a ser de fato partilhado entre os herdeiros. Doutrina e jurisprudência não vacilam ao afirmar que ao mesmo tempo em que as dívidas do morto não deverão atingir o patrimônio particular dos herdeiros, também só deverão esses serem "contemplados" com bens egressos da HERANÇA caso esses não sejam antes abocanhados pelas dívidas deixadas pelo defunto. Nesse sentido a lição do art. 1.997 do Código Civil:
"Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube".
A abalizada doutrina exarada pelo Advogado, Professor e Desembargador Aposentado do TJSP, Dr. NEY DE MELLO ALMADA (Sucessões - Legítima - Testamentária - Inventários e Partilhas. 2006), relativamente à "herança" ensina:
"Em momento inicial de sua existência, a HERANÇA se apresenta, sob dimensão bruta, tornando-se líquida após deduzidas as DÍVIDAS do 'de cujus' e do processo sucessório. À partilha interessa apenas a herança líquida. Quando despojada de bens (negativa), potencialmente continua a ser herança, podendo eventualmente converter-se em positiva mercê da incorporação de ingressos futuros patrimoniais, provenientes do achado de bens ou do ganho de causa judicial" .
Com muita acuidade e sutileza relembra ainda o douto jurista que, de fato, pode existir a figura do "Inventário Negativo", que como já falamos em outras passagens, se refere ao inventário onde inexistem bens a serem partilhados.
POIS BEM, resolvida a partilha com a distribuição aos herdeiros, na forma da Lei, quanto ao que sobejar dos bens depois de decotadas as dívidas do morto, a estes ainda restará o recolhimento do IMPOSTO CAUSA MORTIS (ITD ou ITCMD, como queira), que é o chamado "imposto da herança" - cuja obrigação é de quem recebe herança - e um ponto relevante diz respeito aos casos onde as despesas do procedimento (seja ele resolvido por INVENTÁRIO JUDICIAL ou ainda INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL) não tenham sido pagas nem pelos herdeiros, nem pelo Espólio (cuja responsabilidade decorre da Lei - art. 796 do CPC c/c art. 1.997 do CC)- uma vez concedida a GRATUIDADE DE JUSTIÇA: nesses casos a gratuidade de justiça concedida não englobará inclusive o pagamento do "imposto causa mortis"?
Inicialmente é preciso recordar que tanto o INVENTÁRIO JUDICIAL quanto o INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL poderão ser realizados com isenção (de custas processuais ou emolumentos e repasses, conforme o caso) uma vez preenchidos os requisitos legais e isso INDEPENDENTEMENTE DE ESTAREM OS INTERESSADOS ASSISTIDOS POR ADVOGADO PARTICULAR OU DEFENSOR PÚBLICO. Sempre bom recordar o disposto no § 4º do art. 99 do Código Fux que também se aplica aos casos extrajudiciais:
"§ 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça".
No Estado do Rio de Janeiro, como sabemos, é plenamente vigente a regra estampada na Súmula 40 do TJRJ, julgada em 24/06/2022 sob a relatoria do então Desembargador Dr. MIGUEL PACHÁ, que destaca:
"SÚMULA Nº 40 - Não é obrigatória a atuação da DEFENSORIA PÚBLICA em favor do beneficiário da gratuidade de Justiça, facultada a escolha de ADVOGADO PARTICULAR para representá-lo em Juízo, sem a obrigação de firmar declaração de que não cobra honorários".
Uma vez alcançada a gratuidade de justiça (que no âmbito extrajudicial, relativamente ao INVENTÁRIO deverá abarcar a lavratura da Escritura Pública de Inventário e Partilha e também o seu registro no RGI) é preciso compreender que ela não deverá contemplar o pagamento do imposto "causa mortis" que, repita-se, é da responsabilidade dos herdeiros. A Legislação Estadual aplicável deverá apontar com clareza quem deverá pagar pelo imposto que tem seu fato gerador com a transmissão e recebimento da herança. A título de exemplo, no Estado do Rio de Janeiro reza o art. 10 da atual Lei Estadual 7.174/2015 que trata do "Imposto sobre a transmissão causa mortis":
"Art. 10. O contribuinte do imposto é o beneficiário, usufrutuário, cessionário, fiduciário, HERDEIRO, legatário ou donatário, assim entendida a pessoa em favor da qual se opera a transmissão do bem ou direito, por doação ou causa mortis".
Cabe ainda salientar que é vigente também no âmbito do TJRJ a Súmula 297 que, com todo acerto, determina:
"O beneficiário da gratuidade de justiça não tem direito à isenção do imposto de transmissão causa mortis ou doação, sem que se preencham os demais requisitos da lei específica".
Não se desconhece que pode haver casos onde a Legislação Estadual aplicável ao caso concreto contenha dispositivo que conceda a ISENÇÃO do pagamento do imposto de herança aos hipossuficientes porém, repita-se, deve haver expressa previsão legal (art. 150, § 6º da CRFB c/c art. 97, inc. VI, art. 111 e art. 176 do CTN) já que o Juiz não deve criar hipótese de isenção mas apenas declará-la, se for o caso.
POR FIM, decisão do TJRJ que confirma decisão do Juízo primevo pela impossibilidade de isenção do ITCMD pelo simples fato dos herdeiros serem "beneficiários da gratuidade de justiça" uma vez que inexistente tal hipótese legal de acordo com o cotejo da legislação estadual aplicável:
"TJRJ. 00614134820198190000. J. em: 13/11/2019. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO JUDICIAL. Decisão agravada que, em ação de inventário, homologou os cálculos e determinou o RECOLHIMENTO do Imposto de Transmissão Causa Mortis (ITD), indeferindo o pedido de isenção tributária. Fato gerador do ITD que surge com a mera transmissão da propriedade ou de quaisquer bens e direitos, no momento da abertura da sucessão, encontrando-se tal entendimento consolidado, inclusive, no Enunciado nº 112 da Súmula do STF. Outrossim, em que pese o fato gerador surja com o falecimento do autor da herança, o cálculo do imposto posterga-se para momento posterior, quando da avaliação dos bens, consoante também já consolidado no Enunciado nº 113 da Súmula do STF:"o imposto de transmissão 'causa mortis' é calculado sobre o valor dos bens na data da avaliação", no processo de inventário ou arrolamento. Imóvel herdado pelos ora agravantes que NÃO SE ENQUADRA em nenhuma das duas hipóteses previstas no art. 3º, VIII e XII, da Lei nº 1.427/89, na redação dada Lei nº 5.440/2009, vigente na data do óbito, de modo a respaldar a isenção pleiteada, pois além de ter sido avaliado em valor superior a 5.000 (cinco mil) UFIRs-RJ, na data da avaliação, os herdeiros beneficiados nele não residem, sendo, outrossim, desconhecido se possuem outro imóvel, pelo que correto o decisum ao negar o pedido de isenção do tributo. GRATUIDADE DE JUSTIÇA concedida por magistrado que NÃO SE ESTENDE à isenção do pagamento de tributos não relacionados à assistência judiciária, como, por exemplo, o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) ou o IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITD). A isenção não constitui um critério subjetivo do Juiz que a analisa, mas sim, é revestida de objetividade estabelecida pela legislação, no caso a estadual, NÃO CABENDO AO MAGISTRADO CRIAR NOVA MODALIDADE DE ISENÇÃO, cujas hipóteses estão taxativamente enumeradas na lei, sob pena de afronta aos arts. 111, II, do CTN e 150, § 6º, da CF, mas tão-somente declarar se existente a hipótese legal de isenção, o que não se verifica na espécie. Súmula nº 297 do TJRJ. Decisão mantida. Agravo desprovido".