A lavratura de uma Escritura Pública é um passo importante para concretizar negócios jurídicos, como compra e venda de imóveis, doações, partilhas, entre outros. Contudo, é importante destacar que a Escritura, por si só, NÃO TRANSFERE a propriedade do bem imóvel. Para que a transferência seja efetivada diz a Lei que é indispensável o registro no Cartório de Registro de Imóveis competente, já que no Brasil, para essa finalidade, impera o binômio TÍTULO e MODO, como dispõe o artigo 1.245 do Código Civil:
"Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§1º. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel".
Não lavrar a Escritura e não registrá-la deixa o imóvel em situação da irregularidade perante o Registro Público, trazendo insegurança jurídica para as partes dentre tantos outros prejuízos. Apesar da evidente importância, muitas pessoas adiam o registro da escritura, o que pode gerar complicações futuras, especialmente quando surgem exigências cartorárias por ocasião do exame de qualificação e registro. Não se olvide que a cada dia que passa as regras mudam e a tendência é que novas formalidades passem a ser exigidas. O título lavrado pode com muita facilidade deixar de atender aos requisitos legais do momento em que é submetido a registro e assim acaba caindo em exigência.
As exigências cartorárias são apontamentos feitos pelo Oficial do Cartório de Registro de Imóveis ou seus prepostos durante o exame de qualificação do título. Esse exame tem como objetivo verificar se o título apresentado (no caso, a Escritura Pública) atende aos requisitos legais e formais necessários para o registro. Como dito acima, os requisitos exigidos são aqueles da época do protocolo do pedido do registro (o que significa dizer que é plenamente possível submeter hoje a registro uma Escritura lavrada nos anos 80, sendo imensas as chances do referido título, lavrado há mais de 40 anos atrás cair em exigências por não atender às regras aplicáveis hoje, 2025!). Entre as exigências mais comuns estão:
- Ausência de informações essenciais, como a qualificação completa das partes;
- Divergências nos dados do imóvel ou das partes;
- Falta de comprovação de quitação de tributos;
- Inconsistências na descrição do imóvel.
Essas exigências, quando não atendidas, certamente impedirão o registro da escritura, inviabilizando a transferência da titularidade do imóvel e comprometendo a segurança jurídica do negócio, fazendo com que a transação imobiliária (e o próprio bem) permaneça na irregularidade. A ESCRITURA DE RERRATIFICAÇÃO é um instrumento utilizado para corrigir ou complementar informações em uma Escritura Pública já lavrada. Trata-se de uma solução prática e eficiente para atender a determinadas exigências cartorárias, desde que as partes que assinaram o ato original estejam vivas e possam comparecer novamente ao tabelionato para realizar as correções necessárias. No entanto, a rerratificação tem suas limitações: conforme orienta a doutrina e a jurisprudência, a Escritura de Rerratificação só pode ser feita com a presença de todas as partes que participaram do ato original. Isso ocorre porque a rerratificação é, em essência, uma extensão do ato original, e qualquer alteração ou complementação deve ser feita com o consentimento expresso das partes envolvidas. Nesse sentido, decisão do TJRJ:
"TJRJ. 0350628-97.2009.8.19.0001. J. em: 19/05/2011. RECURSO DE APELAÇÃO. DÚVIDA SUSCITADA PELO CARTÓRIO DO 5º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO RIO DE JANEIRO. PLEITO DE RETIFICAÇÃO DE NOME DE FALECIDO, OUTORGADO COMPRADOR EM ESCRITURA PÚBLICA LAVRADA EM 1964. IMPOSSIBILIDADE DE RETIFICAÇÃO DE ESCRITURAS PÚBLICAS POR MAGISTRADOS OU OFICIAIS DE REGISTRO, NO LIMITADO CAMPO DA DÚVIDA REGISTRAL, EXIGINDO-SE NOVA MANIFESTAÇÃO VOLITIVA DAS PARTES. SITUAÇÃO QUE NÃO ENVOLVE ERRO MATERIAL EVIDENTE DEVIDO À CORRETA IDENTIFICAÇÃO DE UMA DAS PARTES ENVOLVIDAS. NO NEGÓCIO JURÍDICO. MATÉRIA QUE EXIGE DILAÇÃO PROBATÓRIA, IMCOMPATÍVEL COM A SEARA REGISTRAL. NECESSIDADE DE QUE A INTERESSADA INGRESSE NAS VIAS ORDINÁRIAS A FIM DE COMPROVAR A OCORRÊNCIA DO ERRO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA DÚVIDA, ANTE O FATO DE QUE A COMPROVAÇÃO DA AUSÊNCIA DE ZELO DO FALECIDO DEVE SER DEMONSTRADA NAS VIAS ORDINÁRIAS ADEQUADAS. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SEGUNDO GRAU OPINANDO PELA CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA."
A toda evidência, a rerratificação corrige no que for necessário o ato e o confirma para que o registro possa ser feito, acompanhando o título rerratificado. Essa "correção" do título é feita por nova Escritura (de rerratificação) com a manifestação de vontade de todos que participaram do ato originário, ora corrigido. Quando uma ou mais partes que assinaram a Escritura Original já faleceram, a rerratificação deixa de ser uma solução viável. Nesse caso, a única alternativa para resolver as exigências cartorárias será a adoção das vias ordinárias, ou seja, o ingresso de uma ação judicial para suprimento. Por meio de processo judicial, será possível obter uma decisão que supra as lacunas ou inconsistências apontadas pelo Cartório, permitindo, assim, o registro do título. Esse procedimento, contudo, pode ser demorado e oneroso, além de envolver a necessidade de representação dos herdeiros ou sucessores das partes falecidas. Por tal razão, vemos todo valor e importância no velho conselho de providenciar o registro da Escritura Pública logo após sua lavratura. Adiar essa providência pode resultar em complicações desnecessárias, especialmente em casos de falecimento das partes ou mudanças na legislação aplicável. O registro imediato garante a segurança jurídica do negócio, evitando que o imóvel permaneça em situação de insegurança e irregularidade registral. Além disso, reduz o risco de surgirem exigências cartorárias que, com o passar do tempo, podem se tornar mais difíceis de atender.